quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O que da vida não se descreve...

"Eu me recordo daquele dia. O professor de redação me desafiou a descrever o sabor da laranja. Era dia de prova e o desafio valeria como avaliação final. Eu fiquei paralisado por um bom tempo, sem que nada fosse registrado no papel. Tudo o que eu sabia sobre o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das palavras. Era um sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas definições tão exatas. Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças felizes, quando na mais tenra infância eu via meu pai chegar em sua bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas. A cena era tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu odor cítrico e nuanças alaranjadas. A vida feliz, parte miúda de um tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se fossem grandes amigos, filhos gerados em movimento único de nascer. Tudo era meu; tudo já era sabido, porque já sentido. Mas como transpor esta distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer do que já senti? Como falar do sabor da laranja, mas sem com ele ser injusto, tornando-o menor, esmagando-o, reduzindo-o ao bagaço de minha parca literatura? Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. 'Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!' Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis. Metafísica dos sabores? Pode ser...O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades. Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo? Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias? Não sei. Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície. Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas. Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve... "
[Autor: Pe. Fábio de Melo]

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

'Pessoas inteligentes discutem idéias; pessoas ignorantes discutem pessoas.'

"Todas as pessoas aspiram por segurança e estão preocupadas com o problema da falta de segurança pública que se manifesta concretamente na violência, no trânsito, nos cárceres, no tráico de drogas, de armas e de pessoas, nas desigualdades sociais, na fome, na miséria, na corrupção e em muitas outras situações. Essa legítima preocupação deve nos remeter à reflexão sobre tal questão, buscando identificar suas dimensões e suas causas. (...)
Um passado de conflitos deixou heranças para a insegurança atual, marcada principalmente pela desconfiança diante das diferenças, desconfiança esta que gera medo e não contribui para a segurança. É importante também perceber que as diferenças raciais e culturais tornaram-se causa de desigualdades sociais e econômicas que resultaram em exclusão social e negação de direitos fundamentais, o que gera conflitos e provoca insegurança. Esta realidade é, muitas vezes, velada pelo manto da crença da passividade do povo brasileiro. Uma das principais marcas desse passado de conflito e violência encontra continuidade na matança de jovens pobres a que se assiste nas grandes cidades brasileiras ainda hoje, provocada tanto por disputas entre grupos rivais, muitas vezes envolvidos com o tráfico de entorpecentes e de armas, quanto pela postura arbitrária e violenta de milícias e outros grupos de extermínio, e até de policiais agindo com práticas rotineiras de execução. Uma outra marca desse passado de conflito diz respeito à realidade do mundo do trabalho. O antigo sistema colonial adotou, no Brasil, o trabalho escravo de negros e indígenas, o que negou o valor da pessoa humana e de seus direitos. Com o surgimento do Estado Nacional brasileiro, a escravidão continuou adotada pelo sistema produtivo e só foi legalmente proibida, em 1888, pela Lei Áurea. Porém, o trabalho escravo e semi-escravo, embora seja crime previsto em Lei, permanece no Brasil até os nossos dias, em pleno século XXI. Este fato levou o Ministério do Trabalho e Emprego a baixar a Portaria º 540, de 15 de outubro de 2004, criando o “Cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo”. O jornal O Globo, edição do dia 26 de julho de 2004, trazia como manchete de primeira página: “Ministério tira da escravidão mais 2.300 trabalhadores”. Na lista dos exploradores divulgada pelo Ministério, os “nomes de grandes empresas, fazendeiros e políticos”. Segundo o jornal, os “Novos senhores de escravos”. A escravidão contemporânea no Brasil se manifesta, muitas vezes, pela existência de uma dívida, contraída pelo trabalhador com gastos de transporte até o local do trabalho, compra de alimentos e ferramentas de trabalho, dívida que não pode ser paga nas condições que o próprio trabalho oferece. Esse problema nuncafoi enfrentado adequadamente pelos governos, que geralmente agem “de forma pontual, libertando escravizados, interceptando o tráfico de pessoas, multando empresas pela violação das leis trabalhistas, mas muito raramente utilizaram medidas de direito penal. O crime de desrespeito aos direitos humanos não foi coibido nem recebeu punição, mesmo nos casos em que houve violência física, tortura e homicídio”.
Retirado do "Texto Base" da Campanha da Fraternidade 2009.
É super válida, além de louvável e necessária, a abordagem da Igreja Católica a respeito do tema Segurança Pública/Violência. Sem querer exaltar qualquer religião, mas o povo brasileiro está mesmo precisando acordar pra certas realidades do nosso país.
A acomodação tomou conta da população. A violênca é tida, atualmente, como algo normal, casual. Nada parece assustar e/ou incomodar. As pessoas parecem preferir conviver desta maneira caótica à se manifestar/movimentar e mudar a situação na qual vivemos.
Esse tema merece ser melhor discutido pela sociedade como um todo, além de merecer uma maior reflexão sobre suas causas e consequências... A gente tem refletido muito pouco sobre as nossas atitudes e eu não posso (nem quero) me acostumar com isso!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Ao Chico,

"Parceiro de euforias e desventuras, amigo de todos os segundos, generosidade sistemática, silêncios eloqüentes, palavras cirúrgicas, humor afiado, serenas firmezas, traquinas, as notas na polpa dos dedos, o verbo vadiando na ponta da língua - tudo à flor do coração, em carne viva... Cavalo de sambistas, alquimistas, menestréis, mundanas, olhos roucos, suspiros nômades, a alma à deriva, Chico Buarque não existe, é uma ficção - saibam.Inventado porque necessário, vital, sem o qual o Brasil seria mais pobre, estaria mais vazio, sem semana, sem tijolo, sem desenho, sem construção."

Ruy Guerra, cineasta e escritor, outubro de 1998.

Quem brinca com palavras com tamanha maestria não pode ser assim, tão real.

"Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado"


Chico, 'Deus lhe pague'.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Flores na Calçada

Primavera que se foi, deixando o perfume
Ruas desertas. O dia amanhece.
Já é claro. As horas passam.
O sol chega e brilha, por você.
As janelas se abrem devagar...
A vida começa, de novo.
Os bancos na praça são ocupados
Pessoas que caminham no tempo.
Esquinas de encontros e de vidas.
E assim...
Vento que sopra e espalha as pétalas,
Dissipa docemente o aroma do que passou.
Restando a sensação que basta, sozinha.
Noites de estações passadas que encerram desejos, sonhos, alegrias...
Verão de conclusões e de conhecimento.
Inverno de saudades do momento até que fora ausente.
Primavera de risos alegres, altos.
Outono de olhares secretos, sussurados...
Flores na Calçada...
Bosque de caminhos estreitos, lugar encantado que você descobriu.
Vontade de partir por não saber agir...
Ausência de gente, que faz minha história.
Sentimento que se faz puro e límpido.
Ser que me faz feliz,
Enxergando,
Flores na Calçada.


[ autor desconhecido ]

domingo, 8 de fevereiro de 2009

- senti toda a vibração de um reggaepower