sábado, 14 de março de 2009

Nordestina sim sinhô!

Hoje, dia da poesia, tive a oportunidade de assistir a um show de um dos maiores poetas da atualidade. Jessier Quirino, arquiteto por profissão, poeta por vocação, matuto por convicção!
Me peguei refletindo um pouco sobre a nossa cultura e sobre a nossa nordestinidade... A cultura popular deve levar o povo a tomar consciência de que a fome dá o direito de reivindcar comida - e entenda fome como quiser.. no seu sentido literal ou de forma metafórica.
Acho que cansei da parte hipócrita e medíocre da sociedade que me diz: "poxa, você é nordestina, tem obrigação de dar valor ao forró". Concordo! Temos mesmo que reconhecer o devido valor dos nossos ritmos nativos, mas até o momento no qual eles abrangem grandes nomes como Luis Gonzaga, Gonzaguinha, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro etc. Coco, forró, baião, xaxado, repente... isso merece, de fato, valorização.
Não me sinto menos nordestina por não ir a uma casa de show compartilhar algo que alguns teimam insistentemente em chamar de música. Não me venha dizer que bandas como Ferro na Boneca, Saia Rodada, Aviões, Solteirões e todos os demais 'ões' possíveis representam o nordestino... aah, e até descobri o nome de mais uma 'banda de forró' hoje pela manhã - "Forrozão tua mãe é minha boy"... e aí de uma coisa eu tive certeza... as pessoas podem ter perdido a admiração pelo que há de bom nessa nossa rica região, mas não perderam a criativade, né?!
Me sinto muito mais nordestina por ter ido ao Beco da Lama hoje, dia 14, assistir a shows de repentistas e a belíssima apresentação de Jessier. Me sinto muito mais nordestina por ir a Ribeira assistir a apresentações da cantora potiguar Krystal cantando Coco. Me sinto muito mais nordestina quando vou a um show de Dominguinhos. Me sinto mil vezes mais nordestina quando teimo em não incluir na minha lista de preferências musicais essa medíocridade que nos cerca.
- Apenas um desabafo!!!
Um motorista cangueiro e um jipe chêi de batata
Um balai de alpercata
Porca gorda no chiqueiro
Um camelô trambiqueiro
Aveloz, lagartixa, bode véio de barbicha
Bisaco de caçador, um vaqueiro aboiador
Um bodegueiro adormecido,
Isso é cagado e cuspido paisagem de interior.
Meninas na cirandinha
Um pula corda e um toca varredeira na fofoca
Uma saca de farinha, cacarejo da galinha
Novena no mês de maio,
Vira-lata e papagaio
Carroça de amolador fachada de toda cor
Um bruguelim desnutrido
Isso é cagado e cuspidopaisagem de interior.
(...)
Jessier Quirino.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Brincar de Pensar...

A arte de pensar sem riscos. Não fossem os caminhos da emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir. Não se convidam amigos para o jogo por causa da cerimônia que se tem em pensar. O melhor modo é convidar apenas para uma visita e, como quem não quer nada, pensa-se junto, no disfarçado das palavras.
Isso, enquanto jogo leve. Pois para pensar fundo – que é o grau máximo do hobby – é preciso estar sozinho. Porque entregar-se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem. Além do mais exige-se muito de quem nos assiste pensar: que tenha um coração grande,amor, carinho, e a experiência de também se ter dado ao pensar. Exige-se tanto de quem houve as palavras e os silêncios – como se exigiria para sentir. Não, não é verdade. Para sentir exige-se mais.
Bom, mas, quanto a pensar como divertimento, a ausência de riscos o põe ao alcance de todos. Algum risco se tem, é claro. Brinca-se e pode-se sair de coração pesado. Mas de um modo geral, uma vez tomados os cuidados intuitivos, não tem perigo. Como hobby, apresenta a vantagem de ser por excelência transportável. Embora no seio do ar seja ainda melhor, segundo eu. Em certas horas da tarde, por exemplo, em que a casa cheia de luz mais parece esvaziada pela luz, enquanto acidade inteira estremece trabalhando e só nós trabalhamos em casa mas ninguém sabe – nessas horas em que a dignidade se refaria se tivéssemos uma oficina de consertos ou uma sala de costuras – nessas horas: pensa-se. Assim: começa-se do ponto exato em que se estiver, mesmo que não seja de tarde; só de noite é que não aconselho.
Uma vez, por exemplo – no tempo em que mandávamos roupa para lavar fora – eu estava fazendo o rol. Talvez por hábito de dar título ou por súbita vontade de ter caderno limpo como em escola, escrevi: rol de... e foi nesse instante que a vontade de não ser séria chegou. Este é o primeiro sinal do animus brincandi, em matéria de pensar – como – hobby. E escrevi esperta: rol de sentimentos. O que eu queria dizer com isto tive que deixar pra ver depois – outro sinal de se estar no caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.
Então comecei uma listinha de sentimentos dos quase não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto – como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem agente não gosta mais,essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?
Mas devo avisar. Às vezes começa-se a brincar de pensar, e eis que inesperadamente o brinquedo é que começa a brincar conosco. Não é bom. É apenas infrutífero.
Clarice Lispector.

segunda-feira, 9 de março de 2009

'Todo se transforma'

Tu beso se hizo calor,
Luego el calor, movimiento,
Luego gota de sudor
Que se hizo vapor, luego viento
Que en un rincón de la rioja
Movió el aspa de un molino
Mientras se pisaba el vino
Que bebió tu boca roja.
Tu boca roja en la mía,
La copa que gira en mi mano,
Y mientras el vino caía
Supe que de algún lejano
Rincón de otra galaxia,
El amor que me darías,
Transformado, volvería
Un día a darte las gracias.

Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simple,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.

El vino que pagué yo,
on aquel euro italiano
Que había estado en un vagón
Antes de estar en mi mano,
Y antes de eso en torino,
Y antes de torino, en prato,
Donde hicieron mi zapato
Sobre el que caería el vino.
Zapato que en unas horas
Buscaré bajo tu cama
Con las luces de la aurora,
Junto a tus sandalias planas
Que compraste aquella vez
En salvador de bahía,
Donde a otro diste el amor
Que hoy yo te devolvería

Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simple,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.

Jorge Drexler ♪